Por Matheus
Eu, que conto a história, sei mais do que ele
jamais vai saber. Sei, por exemplo, que ela, por causa de um detalhe genético
invisível aos microscópios, pensa em
sexo 7% a mais que as outras mulheres. Sei também que, no mundo dessa história,
basta usar as palavras certas na língua certa que um dos deuses dos elementos
faz chover. Sei dos detalhes sórdidos, conheço cada sujeirinha dos corações de
cada um, pra mim são todos livros abertos. Ele nem desconfia que o cachorro
morre no capítulo 4 ou que, no final, ele vai se matar por ela, doido de amor.
Nunca passou por seu inventado fluxo de pensamento que ele é minha cria, meu
escravo, e que a vida dele depende apenas e tão-somente da minha vontade e dos
movimentos da minha pena. Mas essas são questões menores, e você não deveria me
ouvir dizendo estas coisas todas, ninguém devia; eu sou onipresente, nasci com
a primeira narrativa e não vou morrer enquanto houverem homo sapiens pela
terra. Sou a voz que é sempre ouvida, o guardião que tudo sabe, estou aqui e
ali, em inglês, tailandês ou russo: de mim ninguém escapa. Só que,
ironicamente, não passo de um servo dos que pensam ou daqueles que pensam que
pensam; sigo ordens como os fantoches que subjugo: tenho cordinhas como todos
eles, mas, já que eles não têm nem podem ter noção disso, brinco de Deus
consciente de que sou um inseto.